Colaboração ou 16 variações sobre um tema

2017

Pausa na emissão. Em 1952, em uma peça do compositor norte-americano John Cage, o pianista David Tudor senta-se diante de um piano de concerto durante 4’33” sem emitir nenhum som. Na pausa do pianista virtuoso, sujeito de quem espera-se emissão contínua e autorizada, o som do mundo emergiu em toda sua potência. Ouviu-se então, ali naquela sala, o que só escutamos quando calamos nossa própria voz: a voz do mundo. Em Agosto de 2015, quando paralizações nas universidades públicas aconteceram como reação à forças violentas de contenção da liberdade do corpo e do espírito, Tato Taborda e Maria Alice Poppe, ambos professores em instituições públicas de ensino, propõem uma experimentação da pausa dos sujeitos autorizados ao discurso, os professores, como forma de escutar a reverberação do mundo, daquele mundo, em suas tantas vozes. Como se posicionar diante de tal polifonia? Como liberar a potência atômica do corpo/espírito em estado de escuta? De que modo deixar que esse estado de disponibilidade ao que está fora provoque a proliferação da latência desses corpos e das forças que os atravessam e deles irradiam?

Impulsionada por essas questōes e com esse cenário como pano de fundo nasce a peça Colaboração ou 16 variaçōes sobre um tema, uma conversa entre dança e música. A peça é mais um estágio da pesquisa Pensamentos Cruzados, em que Tato e Alice têm investigado nos últimos 10 anos, ao longo de diferentes colaborações, as fronteiras porosas entre som e movimento, entre a música e a dança. A peça, uma estrutura de 16 variações pensada no sentido cageano de uma entidade auto-sustentável, se desdobra em conformações paradoxais a partir das fricções entre dança, música e conceito.

O Artista na Universidade, peça partida em três (como são três os movimentos de 4’33” de Cage), costura uma estrutura com 16 partes que nascem e permanecem provisórias. Nelas, título, conceito e conteúdo possuem o mesmo grau de importância, sem hierarquia. Algumas inclusive não têm mais que o título, outras, nem isso, apenas um número na estrutura. Resumindo, Colaboração é uma peça sobre incompletude, inconclusão ou sobre lacunas que não devem ser preenchidas. A exposição deliberada dessas lacunas revela precariedade e potência em igual medida, como acontece com os ambientes em que os dois artistas-professores atuam.

O conjunto do tema e das variações explora o pensamento do gesto que escuta e do som que dança, em proporções diversas e experimentais a partir de exercícios de escuta do corpo como instrumento e do instrumento como corpo. O violão, preparado com caixas de música e tocado com um arco de violino, é peça chave da paisagem sonora e, também, objeto fino que move a cena por onde Tato e Alice circundam. O espaço de performance é esburacado por uma dança em total sintonia com a relação do corpo com a gravidade e suas rasuras de outrora ou de outras danças pelo qual já se passou.

  • Concepção e atuação
  • Maria Alice Poppe e Tato Taborda